Elas estão por todos os lugares, não pude me conter então.... Pensei e misturei.
Engaiolado
dentro de um veículo de metal totalmente tosado pela tesoura da rotina eu vejo
a garça. Não consigo entender o que me faz olhar para fora da minha gaiola já
que minha perspectiva não passa muito além do banco da frente. Porém impelido
por uma força mágica atento para o animal a beira do valão do esgoto, o que
outrora já fora o rio Maracanã.
Empoleirada
num galho finíssimo de árvore contrariando qualquer lei física esta ela,
branca...sendo esta mais que apenas sua cor, quase uma virtude. Continuo
fitando com atenção o animal, sua expressão, seus detalhes, seu comportamento,
ela já me hipnotizara. Sou uma presa a mercê de seu ataque, refém completamente
acuado, sem defesa, desarmado.
Esgueirando-se
no galho observa todas as possibilidades, todas as infinitas sem perder o
controle da situação, ali esta ela, com seu pescoço semi-enterrado, seu olhar
ferozmente penetrante enquanto deixa trasbordar sua fúria.
Então
a água se movimenta de maneira incomum. Um peixe? Para ela não é uma pergunta,
nunca poderia ser. ”Um peixe.” Afirmativa tão pesada e densa quanto sua falta
de incertezas, o animal tem plena confiança em seus sentidos e extinto.
Movimenta a cabeça tão rapidamente em resposta ao balanço incomum das águas que
não se sabe quem se movimenta em resposta a quem, então se prepara num impulso
leve, mas ao mesmo tempo tensionado por seus músculos peitorais. Quase da pra
ver a explosão química acontecendo e se espalhando por todo o seu corpo. E o
tempo para ao seu redor, não consigo nem respirar, uma gota de suor brota em
minha testa e uma aflição invade-me, não estou vendo mais nada, nem a mim
mesmo, apenas a garça numa vasta escuridão. Abre as asas e recolhe as patas
executando seu vôo curto, porém imponente.
Cinco
metros e as patas tocam o substrato do rio-valão. Deixa ir o pequeno vertebrado
aquático, não era seu dia de morrer, muito pequeno. A garça o acompanha com um
olhar que o faz congelar no lugar, o que movimenta o pequeno não são mais suas
próprias forças, é o próprio olhar da ave que o empurra valão a baixo. Hoje não
é dia para petiscos, hoje é dia de grande caçada. Sempre é dia de grande caçada
para um espírito livre, para um ímpeto atroz, para aquela que não é tolhida. A
fome não pode falar mais alto, o animal a faz calar sem exaltação, com total
domínio próprio. A fome nem sequer tem voz dentro dela e a busca pela presa
certa é uma questão de beleza, posicionamento.
Sinto
minhas asas crescendo dentro de mim, sinto minhas roupas ficando brancas
novamente, sinto meus olhos ganhando peso e visualizando minha essência um dia
perdida, sinto o cheiro do valão que me cerca e da putrefação humana ao meu
redor, que corrói a carne e invade os ossos de desvalidos desesperados, pois já
havia me acostumado ao aroma imundo. Sinto uma separação necessária que vem
chegando, sinto a garça voltando para o monte onde é de fato sua morada quando
o dia terminar, quando o dia chegar.
Escrito por Igor Ferreira
|
Igor Ferreira, carioca da gema mole.
Amante da vida e de tudo o que a envolve,
escolheu a biologia como área
profissionalizante, a filosofia como objeto
de maior curiosidade e a Cristo como
melhor amigo. Gosta de Garças. |
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