sábado, 7 de setembro de 2013

Iluminação

Elas estão por todos os lugares, não pude me conter então....  Pensei e misturei.


Engaiolado dentro de um veículo de metal totalmente tosado pela tesoura da rotina eu vejo a garça. Não consigo entender o que me faz olhar para fora da minha gaiola já que minha perspectiva não passa muito além do banco da frente. Porém impelido por uma força mágica atento para o animal a beira do valão do esgoto, o que outrora já fora o rio Maracanã.

Empoleirada num galho finíssimo de árvore contrariando qualquer lei física esta ela, branca...sendo esta mais que apenas sua cor, quase uma virtude. Continuo fitando com atenção o animal, sua expressão, seus detalhes, seu comportamento, ela já me hipnotizara. Sou uma presa a mercê de seu ataque, refém completamente acuado, sem defesa, desarmado.

Esgueirando-se no galho observa todas as possibilidades, todas as infinitas sem perder o controle da situação, ali esta ela, com seu pescoço semi-enterrado, seu olhar ferozmente penetrante enquanto deixa trasbordar sua fúria.

Então a água se movimenta de maneira incomum. Um peixe? Para ela não é uma pergunta, nunca poderia ser. ”Um peixe.” Afirmativa tão pesada e densa quanto sua falta de incertezas, o animal tem plena confiança em seus sentidos e extinto. Movimenta a cabeça tão rapidamente em resposta ao balanço incomum das águas que não se sabe quem se movimenta em resposta a quem, então se prepara num impulso leve, mas ao mesmo tempo tensionado por seus músculos peitorais. Quase da pra ver a explosão química acontecendo e se espalhando por todo o seu corpo. E o tempo para ao seu redor, não consigo nem respirar, uma gota de suor brota em minha testa e uma aflição invade-me, não estou vendo mais nada, nem a mim mesmo, apenas a garça numa vasta escuridão. Abre as asas e recolhe as patas executando seu vôo curto, porém imponente.


Cinco metros e as patas tocam o substrato do rio-valão. Deixa ir o pequeno vertebrado aquático, não era seu dia de morrer, muito pequeno. A garça o acompanha com um olhar que o faz congelar no lugar, o que movimenta o pequeno não são mais suas próprias forças, é o próprio olhar da ave que o empurra valão a baixo. Hoje não é dia para petiscos, hoje é dia de grande caçada. Sempre é dia de grande caçada para um espírito livre, para um ímpeto atroz, para aquela que não é tolhida. A fome não pode falar mais alto, o animal a faz calar sem exaltação, com total domínio próprio. A fome nem sequer tem voz dentro dela e a busca pela presa certa é uma questão de beleza, posicionamento.

Sinto minhas asas crescendo dentro de mim, sinto minhas roupas ficando brancas novamente, sinto meus olhos ganhando peso e visualizando minha essência um dia perdida, sinto o cheiro do valão que me cerca e da putrefação humana ao meu redor, que corrói a carne e invade os ossos de desvalidos desesperados, pois já havia me acostumado ao aroma imundo. Sinto uma separação necessária que vem chegando, sinto a garça voltando para o monte onde é de fato sua morada quando o dia terminar, quando o dia chegar. 

                         
Escrito por Igor Ferreira


Igor Ferreira, carioca da gema mole. Amante da vida e de tudo o que a envolve, escolheu a biologia como área profissionalizante, a filosofia como objeto de maior curiosidade e a Cristo como melhor amigo. Gosta de Garças.
Folow
@Igor_FCA
@Danilo__Gabriel 

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